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Feliz Dia de Alfredo

Há 41 anos, o menino de beira rio, dos meio dos campos de Cachoeira, banhista de igarapé, deixava o plano físico. Um dos maiores romancista da literatura nacional do século XX, laureado pela Academia e reconhecido por outros grandes nomes da literatura nacional, que foram seus amigos, conviveram e, até mesmo, duelaram por livros de atas com ele.⁣ ⁣ Nascido em Ponta de Pedras, no Pará, em 10 de janeiro de 1909, criado em Cachoeira do Arari, no Marajó, do mesmo estado, Dalcídio teceu 10 romances conhecidos como o Ciclo do Extremo Norte. Os romances tratam da dura realidade do povo pobre paraense dos chalés e ribanceiras do Marajó e dos subúrbios de Belém, dando voz e protagonismo a "criaturada grande".⁣ ⁣ Apesar da inovadora e brilhante obra, Dalcídio amargou em vida um ostracismo literário gigantesco. Brilhante, mas desconhecido da maioria das pessoas. Sempre falo, todo leitor de Dalcídio sofre um pouquinho com essa dura realidade da obra do autor.⁣ ⁣ Eu mesmo, paraense que so
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Bloomsday

O dia 16 de junho é um dia de duplas lembranças para mim. Dia de Alfredo, a grande festa dos leitores de Dalcídio. Bloomsday, a grande festa dos leitores de James Joyce. Se Dalcídio eu “descobri”, lendo os livros de Jorge Amado. Joyce, eu descobri pela influência de um amigo meu que, já não vive mais fisicamente entre nós. Conhecemo-nos, por acaso, em grupo de leitores de Pablo Neruda. E, enquanto ele viveu, dividimos nossas leituras de livros e poemas. Uma das conexões mais reais e genuínas que tive na vida. Engana-se, no entanto, que concordávamos com todas as coisas. Entre nós, no entanto, havia uma dezena de unanimidades, uma delas era James Joyce. Para nós, Joyce era um gênio. Uma leitura difícil, mas necessária. Um daqueles desafios que os leitores deviam enfrentar uma vez na vida. Enfrentar, mesmo sabendo, que a lista dos leitores que abandonaram Ulisses é gigantesca. Enfrentar, mesmo que você tenha que entrar para a lista dos que abandonaram os livros dele na estante. Hoje, ao

Bibliocausto

Que a minha mão não trema ao deitar no fogo forte e primitivo todos os traidores que me deram veneno. Queimarei o frio geometrizador da vida lapidada através de lentes bem polidas (ah, o horror daquela pedra voando, tangida pela mão de não sei que demônio, e a pensar, pelo espaço, que ainda tem arbítrio!…)… Queimarei o detrator, maníaco e vaidoso, que quis deter a vida numa câmara lenta, para a tingir depois numa câmara escura (ah, o inferno galopando às doidas nos cavalos sem freios da vontade cega e sem destino!…) Queimarei o louco, ébrio de orgulho, raivoso de fraqueza, que destilava haxixe em frascos verdes na paisagem alpina (ah, o prazer com que ainda o queimaria em cada uma das voltas pavorosas do seu Eterno Retorno!…)… E só ficará comigo o riso rubro das chamas, alumiando o preto das estantes vazias. Porque eu só preciso de pés livres de mãos dadas, e de olhos bem abertos… João Guimarães Rosa  

As cartas à destinatária inexistente

"O carteiro nunca saberá que a destinatária não existe; que foi sequestrada, torturada e assassinada pela ditadura militar. Assim como o ignorarão, antes dele, o separador das cartas e todos ao seu entorno. O nome no envelope selado e carimbado, como a atestar autenticidade, será o registro topográfico não de uma falha do computador, e sim de um mal de Alzheimer nacional. Sim, a permanência do seu nome no rol dos vivos será, paradoxalmente, produto do esquecimento coletivo do rol dos mortos." B, Kucinski. K. São Paulo: Expressão Popular, p. 17.

Matamos Amarildo

por Matheus Pichonelli Quando o Capitão Nascimento, com o coturno na garganta do traficante “Baiano”, entregou a escopeta nas mãos do Soldado Mathias e determinou a execução do bandido com um balaço no rosto, as salas de cinema do Brasil vibraram como torcida em final de campeonato. Como em uma arquibancada, houve quem se levantasse e aplaudisse a cena de pé, algo inusitado para uma sessão de cinema. O Brasil que pedia direitos humanos para humanos direitos estava vingado. José Padilha precisou praticamente desenhar, em Tropa de Elite 2 , que aquela escopeta estava voltada, na verdade, para o rosto da plateia. Mas a plateia, em sua sanha punitiva, parecia incapaz de refletir e entender que a tortura, os sacos plásticos e a justiça por determinação própria eram a condenação, e não a redenção, de um país de tragédias cotidianas. Nos dois filmes, todos estavam de alguma forma envolvidos na criminalidade – corruptos e corruptores, produtores e consumidores, eleitos e eleitores – ma

Amarildo

E agora, Amarildo? o Papa voltou, a noite chegou, o gigante dormiu, você sumiu, onde está, Amarildo? onde está, você? Você que é pedreiro sem paradeiro, você que faz casas que ama, pesca? Onde está, Amarildo? Está sem documentos está sem direitos está sem voz já não pode trabalhar, já não pode pescar, amar já não pode, a noite passou, o dia não veio, você não veio, o riso não veio, não veio a verdade, Cabral não ouviu a mídia se calou a PM não viu cadê, Amarildo? Cadê Amarildo? sua força de Boi, seu tijolo de bronze, seu barraco pequeno, sua grande família, seu pouco salário, sua pele proibida, seu bom coração, sua justiça — cadê? Com a vara na mão quer abrir o mar, mas não existe mar; quer morrer no mar, mas o mar secou; quer ir para Rocinha, Rocinha não há mais. Amarildo, e agora? Se você gritasse, se você gemesse, se você cantasse o samba portelense, se você corresse, se você fugisse, se você morresse... Mas você não morre

Os nomes falam por si

por Amaral Lima O embate entre fazendeiros e sem-terras em torno do acampamento Frei Henri é apenas um exemplo do embate entre classes na Amazônia paraense. Já começa pelo nome do acampamento e do município onde se encontra o conflito. Frei Henri é um missionário francês que vive a alguns quilômetros dali, em Xinguara. Quase aos 90 anos e jurado de morte por fazendeiros, ainda advoga em favor de militantes assassinados no sul do Pará, em consequência da disputa territorial. O nome da cidade, Curionópolis, se refere ao major Curió, um dos responsáveis pela aniquilação dos membros da chamada Guerrilha do Araguaia na década de 1970, no período da ditadura civil militar brasileira. “Essa região está em permanente disputa e é a região onde existem mais fazendeiros organizados e preparados para ações criminosas a fi m de defender seus interesses, são extremamente violentos e têm muita influência por dentro da política da região”, denuncia José Batista, advogado da CPT de