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Foto: Site da Diocese de Cotalina |
2005. Seis tiros disparados contra uma missionária de setenta e três anos de idade cortam o ar do PDS Esperança, localizado na pequena Anapu. O corpo tombado e perfurado por balas verteu sangue na estrada e impregnou a terra.
A vítima era Ir. Dorothy Mae Stang. Uma senhora de voz baixa, tranquila e de sorriso fácil e que há anos dedicava a sua vida em favor da luta pelos direitos dos trabalhadores rurais anapuenses de terem uma terra que pudessem cultivar e cujo modelo de trabalho fosse pautado na agricultura familiar e de subsistência, nas atividades extrativistas e no respeito à floresta.
Os algozes objetivavam silenciar a voz daquela mulher que lutava pela manutenção da floresta, pela dignidade de vida dos pequenos trabalhadores e em prol de um modelo de sustentabilidade que ia de encontro aos interesses espúrios e gananciosos de fazendeiros, grileiros e madeireiros da região.
Seis anos se passaram desde que a presença física de Dorothy nos deixou. Hoje seu corpo se encontra sepultado embaixo das árvores do Centro São Rafael em Anapu, em um túmulo de cerâmica branca cercado por plantas. Era seu desejo se enterrada junto ao povo humilde ao qual ela dedicou cada segundo de seu tempo e em nome do qual ela acabou derramando todo o seu sangue.
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Foto: Drielly Silva |
Todos os envolvidos em seu homicídio foram levados a Júri, julgados e condenados. Nem todos, entretanto, permanecem presos. Já em Anapu o clima continua tenso, os conflitos persistem e a pressão sobre os trabalhadores e as famílias do Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) Esperança aumentou.
Assim, neste sexto ano do martírio de Dorothy diversas caravanas vindas de todas as partes do Estado se reuniram em Anapu em um ato de solidariedade as famílias do PDS Esperança e para conhecer de perto o trabalho que Dorothy desenvolveu lá. Foram dois dias de intensas, divertidas e emocionantes atividades em terras anapuenses.
Conhecemos e conversamos com homens e mulheres de uma força e perseverança inacreditável, mas que não escondem a angústia que as constantes ameaças que eles vêm sofrendo têm causado. Estivemos, inclusive, com os assentados que desde janeiro bloquearam a estrada que dá acesso ao PDS Esperança para impedir a retirada ilegal de madeira do local. Eles foram enfáticos em afirmar que só saíram dali quando o governo atender as suas exigências.
Muitos são os que recriminam a atitude do grupo de trabalhadores que bloqueou a estrada e que se utilizam dos argumentos mais pífios para desmerecer a luta daquele povo. No entanto, nós bem sabemos as razões dessa recriminação.
Anapu vive uma situação que envolve ausência e inoperância do Estado, suspeita de ligação dos governos com os madeireiros e grileiros, cooptação de trabalhadores e conflitos que são criados pelos próprios interessados em se apossar daquelas terras e que acabam jogando trabalhador contra trabalhador. Toda essa questão política e social acaba de certa forma esmagando as famílias do PDS Esperança.
Entretanto, todos os percalços e dificuldades não impedem os trabalhadores do PDS Esperança de continuarem lutando pela manutenção de suas terras e pela concretização dos sonhos de Ir. Dorothy. É isso mesmo! Passado seis anos a presença de Dorothy permanece viva na história de todos aqueles que compartilhavam do mesmo sonho que ela e seu nome é uma palavra recorrente na boca de todos.
E esse certamente é o motivo dos ataques que constantemente a imagem da missionária vem sofrendo e da insistente tentativa de alguns segmentos de tentar destruir a memória de Dorothy. Já houveram tentativas até de derrubada do barracão no qual Dorothy se reunia com os assentados. Barracão para o qual ela se dirigia no dia de sua morte.
No entanto, apesar de todas essas tentativas a memória de Ir. Dorothy Stang permanece viva no meio do povo e não somente no de Anapu. Sua imagem e ação se espalharam por todos os cantos e hoje inúmeros são os adeptos da sua luta e recorrentes de seu exemplo.
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Foto: Candido Cunha |
Dorothy vive. Vive nas inúmeras lutas dos trabalhadores que querem ser reconhecidos como sujeitos de direitos e que batalham dia a dia para que seus direitos sejam assegurados. Vive nas vozes daqueles que se levantam e dizem “não as barragens”. Vive no sorriso das crianças do PDS Esperança. Vive através dos testemunhos de Dona Toinha. Vive através da ação daqueles trabalhadores que bloquearam a estrada. Vive na floresta, no igarapé, no rio. Vive na memória do povo e vive através de todos aqueles que defendem a floresta, a dignidade humana, os povos da Amazônia, a vida...
A morte de Dorothy semeou o seu amor e a sua luta por todos os lugares. O sangue que escorreu de seu corpo preparou a terra. O plantio foi feito. Ambos agora correm, amor e sangue de Dorothy, no coração de todos aqueles que arduamente lutam para tornar o sonho e a esperança realidade, que lutam por justiça e dignidade e que não se deixam subordinar aos interesses econômicos de determinados grupos.
Dorothy Vive! Sempre!
Kerlley Diane Santos
Kerlley Diane Santos
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