Pular para o conteúdo principal

O amanhã, o amanhã, o amanhã


Por William Shakeaspeare


Orson Wells in  Macbeth (1948)

(Cena V: Dunsinane. No interior do Castelo)

Entram: Macbeth, Seyton e soldados, com tambores e bandeiras.


MACBETH - Desfraldai nossas bandeiras nas muralhas exteriores. Continuam gritando: “estão próximos!”; mas a força de nosso castelo rirá com desprezo do assédio. Que fiquem aí, até que sejam devorados pela fome e pela febre! Se não estivessem reforçados por aqueles que deveriam ser nossos, teríamos podido ir ousadamente ao encontro deles, barba a barba, e tocá-los, derrotados, de volta para seus lares. (Gritos femininos no interior.). Que barulho é esse?


SEYTON - São gritos de mulheres, meu bom senhor. (Sai)


MACBETH - Já quase me esqueci do sabor do medo. Houve tempo em que um grito ouvido durante a noite teria gelado meus sentidos, em que todos os meus cabelos ficariam em pé com o relato de alguma desgraça, eriçados e trêmulos, como se estivessem animados de vida. Saciai-me de horrores! A desolação, familiar a meus pensamentos de morte, já não produz em mim qualquer emoção... (Volta Seyton.) Qual o motivo da gritaria?


SEYTON - Morreu a rainha, meu senhor.


MACBETH - Deveria ter morrido mais tarde. Haveria, então, lugar para uma tal palavra!... O amanhã, o amanhã, o amanhã, avança em passos mesquinhos, dia a dia até a última sílaba do tempo que se recorda, e todos os nossos ontens iluminaram para os loucos o caminho da poeira da morte. Apaga-te, apaga-te, vela fugaz! A vida não nada mais é do que uma sombra que passa, um pobre louco que se pavoneia e se agita por uma hora no palco em cena e, depois, nada mais se ouve. É um conto contado por um idiota, cheio de som e fúria, significando nada. (Entra um mensageiro) Vens para fazer uso da tua língua? Conta tua história, depressa.

MENSAGEIRO - Meu gracioso senhor, desejaria contar que vi o que digo, mas não sei como fazê-lo...


MACBETH - Fala. então, homem.


MENSAGEIRO - Quando estava de guarda na colina, olhei para os lados de Birman e, de repente, tive a impressão de que a floresta começara a mexer-se.

MACBETH - Miserável mentiroso!


MENSAGEIRO - Que eu sofra as consequências de vossa ira, se não estou dizendo a verdade! A três milhas daqui, podereis vê-la caminhando nesta direção. Torno a repetir: um bosque em movimento.


MACBETH - Se estiveres mentindo, sereis pendurado vivo na árvore mais próxima, até que a fome te desseque. Se for verdade o que estás dizendo, não me importa que faças comigo a mesma coisa!... Fraqueja minha resolução e começo a suspeitar do equívoco do demônio que mente debaixo da máscara da verdade. “Nada temas, até que o bosque de Birman caminhe para Dunsinane.” E agora, um bosque se dirige em direção a Dunsinane. Às armas! Ás armas! Saiamos! Se for verdade oque este homem afirma, não haverá qualquer meio de fugir ou de ficar!... Estou começando a ficar cansado do sol e com vontade, agora, de que a máquina do Universo se reduza a migalhas!... Soai o sino do alarma!... Sopra, vento! Vem, destruição! Quero pelo menos morrer com o arnês às costas. (Saem).


Da peça “Macbeth” (Cena V do Ato Quinto). In William Shakespeare. Obra Completa. Vol. 1. Rio de Janeiro, Editora Nova Aguilar, 1989 (Cotejei a tradução com o texto em inglês da The Harvard Classics, vo. 46. New York, P. F. Collier & Son Co., 1938 - JCR).


Fonte: Vermelho

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Mostra traz filmes silenciosos acompanhados de música ao vivo em São Paulo

Daniel Mello Repórter da Agência Brasil Os Últimos Dias de Pompéia São Paulo - Imagens em movimento que contam histórias sem voz ou som ambiente. Essa é a essência da quinta edição da Jornada Brasileira do Cinema Silencioso, este ano com 57 obras do início do século 20. “É um cinema muito bom. Em vez de uma deficiência, eles aproveitavam o fato de não ser falado para narrar a partir de outros elementos, da montagem, dos atores, da movimentação. Era uma outra linguagem”, explica o curador musical do evento, Livio Tragtenberg. Ele foi o responsável por selecionar os músicos que acompanham com performances ao vivo a exibição das películas. As apresentações são praticamente uma atração a parte e têm a finalidade de aproximar os filmes da atualidade. “Trabalho muito pouco com a ideia passadista de ilustrar o filme, uma coisa decorativa na música. A gente tenta atualizar, no sentido de fazer músicas que tragam interesse para o expectador de hoje nesses filmes.” São obras que retrata...

Transversal do Tempo

                                                      Transversal do Tempo (João Bosco/Aldir Blanc) As coisas que eu sei de mim São pivetes da cidade Pedem, insistem e eu Me sinto pouco à vontade Fechada dentro de um táxi Numa transversal do tempo Acho que o amor É a ausência de engarrafamento As coisas que eu sei de mim Tentam vencer a distância E é como se aguardassem feridas Numa ambulância As pobres coisas que eu sei Podem morrer, mas espero Como se houvesse um sinal Sem sair do amarelo

Matamos Amarildo

por Matheus Pichonelli Quando o Capitão Nascimento, com o coturno na garganta do traficante “Baiano”, entregou a escopeta nas mãos do Soldado Mathias e determinou a execução do bandido com um balaço no rosto, as salas de cinema do Brasil vibraram como torcida em final de campeonato. Como em uma arquibancada, houve quem se levantasse e aplaudisse a cena de pé, algo inusitado para uma sessão de cinema. O Brasil que pedia direitos humanos para humanos direitos estava vingado. José Padilha precisou praticamente desenhar, em Tropa de Elite 2 , que aquela escopeta estava voltada, na verdade, para o rosto da plateia. Mas a plateia, em sua sanha punitiva, parecia incapaz de refletir e entender que a tortura, os sacos plásticos e a justiça por determinação própria eram a condenação, e não a redenção, de um país de tragédias cotidianas. Nos dois filmes, todos estavam de alguma forma envolvidos na criminalidade – corruptos e corruptores, produtores e consumidores, eleitos e eleitores – ma...